segunda-feira, 11 de julho de 2011

Os filhos do Rodoanel

O Rodoanel não destrói apenas o meio-ambiente e o espaço urbano. Destrói também vidas. Nesta matéria do Diário do Grande ABC, a falta de planejamento, marca registrada dos governos do PSDB, deixou para trás centenas de crianças, filhos e filhas dos operários do trecho Sul que se foram ao fim da obra abandonando os rebentos do mesmo modo que a DERSA faz com as suas promessas de compensação.




Os filhos do Rodoanel


A construção do Trecho Sul deixou um rastro de destruição no meio ambiente e também crianças sem pais em vários bairros próximos dos canteiros de obras em São Bernardo. São os chamados filhos do Rodoanel, meninos e meninas que têm entre 1 e 2 anos e mães que foram abandonadas pelos operários durante a gravidez.

A equipe do Diário percorreu as estreitas e desertas ruas dos jardins Represa e Nova Canaã e parques Los Angeles e Imigrantes e encontrou diversas histórias de mães solteiras que foram deixadas para trás pelos funcionários da maior obra viária do País, inaugurada em março do ano passado.

Alguns dos homens fugiram sem deixar pistas, principalmente para os Estados do Nordeste, após o fim dos contratos de trabalho. Outros chegaram a viver por curto período com as parceiras; a maioria só assumiu a paternidade obrigada pela Justiça.

A manicure Flavia Bispo dos Santos, 41, teve rápido relacionamento com um mestre de obras de 50 anos e engravidou. A aceitação, por parte dele, foi difícil. O operário não aceitava, mas depois resolveu bancar os remédios, exames e complementos alimentares.

"Ele não esperava ser pai novamente. O pior são algumas moças que nem sabem o nome do pai de seus filhos", disse Flavia. A filha, Giovana Carolina, está com dois anos e quatro meses e às vezes fala com o pai, que mora em Vespasiano, Minas Gerais, pelo telefone.

A empregada doméstica Marcela Nunes, 24, foi uma dessas citadas por Flavia. Empolgada em um forró na região do Jardim Imigrantes, consumiu bebida alcoólica e teve relações sexuais com um pedreiro, do qual lembra apenas o apelido. Ela perdeu a criança no quarto mês de gestação. "Sei que o povo o chamava de Grilo e que foi embora para Sergipe. Fiz errado, mas na hora é difícil pensar direito. Foi eu dizer que estava grávida e esse homem sumiu. Nunca mais vi o rapaz", relembrou a jovem.

Moradores e agentes do Programa Saúde da Família costumam dizer, em tom de ironia, que a população na região dobrou devido ao alto número de nascimentos após o início das obras, em maio de 2007. "Isso aqui era um inferno com esses peões. Havia prostitutas, drogas e brigas entre eles todos os fins de semana. Hoje o que mais tem por aqui são mulheres criando sozinhas seus filhos", comentou a empregada doméstica Ana Lucia Santos, moradora do Jardim Represa e vizinha de uma jovem que está nesta condição.

Para o presidente da Associação de Moradores do Jardim Represa, Wilmar Ananias, a falta de planejamento familiar dessas mulheres refletiu na atuação da entidade comandada por ele. "Os homens fazem filhos e nós, da entidade, temos de dar o leite e ajudar as crianças. Se não fosse a gente para correr atrás, algumas estariam passando fome", contou.

Agentes da Unidade Básica de Saúde do Jardim Represa, o único posto de atendimento da região, garantem que o número de mães solteiras é grande, mas não existe um controle ou estatística sobre o aumento da população feitos pela Prefeitura de São Bernardo.

Mães buscaram direitos na Justiça

Mulheres que tiveram filhos com os funcionários que trabalharam na construção do Trecho Sul do Rodoanel em São Bernardo precisaram entrar na Justiça para conseguir o reconhecimento da paternidade. Algumas demoraram seis meses para encontrar e estabelecer contato com a família paterna. Tanto esforço foi necessário para garantir o nome do pai na certidão de nascimento de seus filhos e também conseguir pensão alimentícia. Muitas pararam de trabalhar para cuidar dos bebês, ou tiveram dificuldade para conseguir emprego após a maternidade, e contam com a ajuda de parentes e vizinhos para criar seus rebentos.

Alcione Feliciano Amaro passou os últimos cinco meses da gravidez sozinha e desesperada para encontrar o pai de seu primeiro filho. O ex-namorado desapareceu no quarto mês de gestação. A empregada doméstica de 28 anos não tinha o endereço do rapaz, ela contava apenas com nome completo e um número de telefone. O jovem de 19 anos trabalhou como topógrafo. A construção do Rodoanel foi o seu primeiro emprego fora da cidade em que nasceu, Lavras (MG).

Durante seis meses, Alcione discava o número marcado na pequena folha de papel inúmeras vezes ao dia. Mesmo grávida, a paraibana de Sumé trabalhou como faxineira até duas semanas antes do parto - mesmo tendo engordado cerca de 40 quilos nos nove meses de gestação.

Um mês após o nascimento de Isaac, uma prima da mãe solteira discou o mesmo número interurbano, como de costume. Por volta da meia-noite, alguém atendeu. Do outro lado da linha estava a avó da criança. "Quando ela soube, não acreditou. Mas ela decidiu perguntar ao filho, que acabou contando a verdade", recordou a empregada doméstica.

"A mãe dele me contou que ele voltou estranho para Minas, não contou para ninguém sobre o filho que estava para nascer", comentou Alcione. Depois do reconhecimento da paternidade, em menos de uma semana toda a família paterna foi ao Parque Los Angeles para conhecer o menino de olhos escuros. Para acertar o pagamento da pensão alimentícia, foi necessário acionar a Justiça.

Casamento

Já Maria Cristina dos Santos, 21, chegou a se casar com o operário que é pai do seu filho Eduardo, 1 ano e quatro meses. Eles alugaram uma pequena casa em Santo André, mas foi terminar a obra para o casamento também acabar. Atualmente Cristina mora no Parque Los Angeles. Sobre o pai da criança, não sabe nem o nome da cidade em que ele foi morar. "Sei que é no Piauí, lá longe, não tenho nem o endereço dele. Por enquanto, está pagando a pensão certinho."

Trecho Sul empregou 40 mil operários

Em cerca de três anos de construção dos 57 quilômetros de pistas e pontes e a destruição de 212 hectares da Mata Atlântica, mais de 40 mil funcionários trabalharam no Trecho Sul do Rodoanel. Grande parte morou em alojamentos e casas alugadas na região do Jardim Represa. O anel viário foi inaugurado em 31 de março. O custo da obra foi de cerca de R$ 5 bilhões. Bairros que hoje têm pouca circulação de pessoas eram completamente diferentes em 2007.

Moradores afirmaram que a obra trouxe benefícios, mas também muita confusão, prostituição e tráfico de drogas.

Os comércios e principalmente os bares viviam lotados de operários e os donos dos estabelecimentos ganharam bom dinheiro. Mas, com o fim dos trabalhos, também ficaram muitas contas penduradas. A equipe do Diário encontrou vários cadernos com contas de até R$ 1.100 em aberto. "A gente vendia fiado, eles sempre pagaram, mas nos últimos meses foi uma correria atrás desse povo. Vou guardar o caderno, quem sabe um dia eles não voltam e acertam as suas dívidas", avaliou Francisca Souza, proprietária de um bar no Parque Los Angeles.



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