Prefeitura veta, mas Rodoanel vai ter atalho para marginal
Mesmo contrariando parecer do município e sob oposição de ambientalistas, Estado obtém licença do trecho norte
Obra de R$ 6,1 bi, que margeará a Cantareira, prevê desmatamento e a retirada de 2.000 famílias, entre outros
Sob protesto de ambientalistas e contrariando o veto da Prefeitura de São Paulo a um atalho para a marginal Tietê, o Conselho Estadual do Meio Ambiente concedeu ontem licença prévia para o trecho norte do Rodoanel, a maior obra viária do governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Foram 23 votos favoráveis à obra, mas todos os sete representantes de ONGs ambientalistas votaram contra.
A rodovia terá 44 km, custará R$ 6,1 bilhões e conectará o trecho oeste à via Dutra, margeando por 20 km a serra da Cantareira, um dos principais mananciais da capital.
Do caminho serão retiradas 2.000 famílias, 343 indígenas e o equivalente a 140 campos de futebol de vegetação. Uma centenária paineira em Guarulhos, porém, levou ao desvio do traçado.
A licença manteve a ligação com a marginal Tietê por meio da avenida Inajar de Souza, na zona norte, contrariando pedido da prefeitura.
Por ser uma via expressa, o Rodoanel tem apenas cinco saídas, três para outras rodovias. As demais dão acesso à marginal -uma é a da Inajar de Souza, com 7 km; a outra, pela avenida Raimundo Pereira Magalhães, tem 14 km.
A prefeitura teme que o atalho da Inajar cause adensamento populacional, danos ambientais e impacto negativo no tráfego da marginal. "A ligação é contraditória com a própria finalidade básica que justifica a implantação do trecho norte", diz o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge.
Para a Dersa, uma das vantagens do Rodoanel continua sendo "o alívio no tráfego da marginal", ao retirar veículos de passagem pela capital.
O acesso pela Inajar, afirma, ampliaria esse benefício ao oferecer aos moradores da populosa zona norte acesso direto a rodovias do entorno.
A obra deve reduzir o volume médio de tráfego da marginal em 13% até 2039, mas elevar o da Inajar em 40%.
Para o presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço, o parecer da secretaria não representa a opinião de órgãos de trânsito da capital nem os estudos viários existentes. "Mas ganhamos tempo para debater."
CRÍTICAS
Segundo Jefferson Rocha de Oliveira, presidente do Instituto Eco-Solidário, o principal questionamento das ONGs é a precariedade das análises sobre o adensamento populacional, as intervenções nos cursos d'água e o impacto social da obra.
"O parecer foi entregue aos conselheiros no dia 22, [véspera de] feriado. Tivemos pouco tempo para analisar."
Paineira centenária de 29 m desvia o traçado da obra
Paineira tombada em Guarulhos, que desviou o traçado do trecho norte do Rodoanel
São necessárias pelo menos cinco pessoas para abraçar o caule da paineira mais antiga de Guarulhos, que, tombada por decreto municipal, desviou o traçado do trecho norte do Rodoanel.
Ela tem 29 metros de altura e sua copa tem um diâmetro de 39 metros.
Era sob aquela sombra que a dona de casa Maria José Santos, 74, fazia festas para a família e as visitas, ao longo dos 11 anos em que morou, com o marido e cinco filhos, no terreno particular onde está plantada a árvore.
"É parte da história da família", diz ela, que hoje mora a 50 metros dali, na mesma estrada da Parteira, rua de terra no bairro Bonsucesso.
Maria José chegou a ser repreendida por técnicos da prefeitura quando cravou um prego no caule. Avisaram que era um "patrimônio". "Mas hoje ela parece uma pessoa quando envelhece e o povo abandona", lamenta.
Realmente, o lote ao redor da árvore tem aspecto de abandono, com mato alto e entulho. A prefeitura pretende construir uma praça ali.
Segundo o botânico e ambientalista Ricardo Cardim, não há paineira tão antiga na cidade de São Paulo.
Cardim destaca também as bromélias e cactáceos que usam os galhos da árvore como suporte, formando uma "floresta" sobre ela. "Imagina a biodiversidade que depende só desta árvore! Desviar o traçado foi louvável."
Desapropriações vão começar em julho
Estimativa é retirar cerca de 2.100 imóveis e remover 2.000 famílias; maioria das moradias é irregular, diz Dersa
Movimento contra o traçado do Rodoanel acha que número pode ser maior; removidos não mudarão de cidade
O próximo passo do governo de SP após obter a licença prévia para o trecho norte do Rodoanel é emitir os decretos de utilidade pública de toda a área, primeira etapa do processo de desapropriação.
Segundo o presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço, os decretos serão publicados já em julho. Em seguida, começarão as visitas aos afetados pelas desapropriações e os cadastramentos. "O processo começa pela questão social", afirma.
De acordo com estimativa do estudo de impacto ambiental, serão desapropriados cerca de 2.100 imóveis, entre edificações urbanas, terrenos e construções rurais. Em torno de 2.000 famílias serão reassentadas.
"A maioria vive em situação fundiária irregular", diz, referindo-se a favelas e ocupações em áreas de preservação ambiental ou de risco.
Para o Fórum Contra o Traçado do Rodoanel Norte, que reúne entidades da região, o número tende a ser maior.
Um pedido da Prefeitura de São Paulo atendido pelo Consema foi exigir que as famílias sejam assentadas na cidade onde vivem. Para o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, isso vai "inibir a transferência desse passivo social para as cidades do entorno".
ANÁLISE
A questão principal é fazer bem o trabalho e fiscalizá-lo
JOSÉ BERNARDES FELEX
ESPECIAL PARA A FOLHA
O transporte define as relações do homem com o espaço e permite organizar atividades que geraram a economia.
O Consema fornecer licença prévia para o trecho norte do Rodoanel só significa que o órgão fiscalizador diz que planos e propostas para as obras previstas podem atender ao que a legislação de proteção ao ambiente exige.
O ambiente é o patrimônio mais importante, e o transporte pode deixar maus rastros para produzir as viagens.
A poluição, o dano à natureza, os acidentes e as desorganizações urbanas acompanham o movimento de bens e pessoas. Ambiente, energia, vias, veículos e tempo são desperdiçados para produzir uma mercadoria: a viagem.
São Paulo cresce e necessidades por transporte aparecem. A relação entre a capital e o ambiente nem sempre é boa. Construir um trecho de Rodoanel pode interferir na serra da Cantareira, mover famílias e bloquear acessos de vizinhança -mas muitos serão beneficiados, com oportunidade de desenvolvimento.
Técnicos medem as obras de transporte em quilômetros construídos. Quem usa o transporte, pelo conforto ou a capacidade de acesso aos bens e serviços. O político, pela propaganda que a obra lhe dá. Mas o ambiente não comemora nem reclama.
Fazer ou não fazer não pode ser uma questão. Fazer correto e proteger o ambiente exige a fiscalização de todos.
JOSÉ BERNARDES FELEX é professor-titular da USP/São Carlos e consultor especialista em transportes