terça-feira, 17 de maio de 2011

O Rodoanel Norte é necessário?

Opinião: Nabil Bonduki

O projeto de implantação do Rodoanel Norte tem gerado muita polêmica, com a oposição de entidades, movimentos e moradores das regiões afetadas, além de ambientalistas. As três audiências públicas já realizadas, nos municípios de Arujá, Guarulhos e São Paulo, revelaram um forte descontamento com a proposta. Em São Paulo, praticamente todos se posicionaram contra a obra, da maneira que está sendo planejada. O evento reuniu mais de mil pessoas.

O traçado proposto pelo governo do Estado ameaça seriamente a Serra da Cantareira que, em 1994, foi declarada pela Unesco uma Reserva da Biofera, com status de Patrimônio da Humanidade. A floresta da Cantareira, com cerca de 80 Km2, em grande parte dentro do Parque Estadual da Cantareira, é hoje a maior floresta urbana do mundo. Além disso, corta regiões altamente povoadas, afetando moradores da Zona Norte da capital paulista e dos outros municípios, estão lutando pela alteração do traçado, ainda está em fase de licenciamento ambiental.

Além do forte impacto sobre serra, a obra deverá gerar o despejo de moradores e a desapropriação de imóveis utilizados para moradia. Apenas em Guarulhos, segundo a prefeitura, cerca de 1,2 mil famílias serão despejadas de suas casas e cerca de 4 mil ficarão isoladas pelo obra viária. O Rodoanel irá passar sobre um reservatório de água no bairro Bananal e por uma estação de tratamento de esgoto no Cabuçu. Em São Paulo, além de um grande número de deslocados – há divergência sobre os números, que poderão ultrapassar cinco mil famílias – quatro escolas deverão ser demolidas, com enorme impacto social. O traçado proposto desrespeita o Plano Diretor Estratégico e atravessa um trecho da Área de Proteção Integral definida em seu Macro-Zoneamento. Ademais, teme-se que o governo, por economia, acabe por transformar trechos que seriam abertos em túnel por uma via aberta, com maiores impactos ambientais.




Áreas de moradia irregular serão retiradas e seus moradores não serão indenizados

"Além do forte impacto sobre serra, a obra deverá gerar o despejo de moradores e a desapropriação de imóveis utilizados para moradia. Apenas em Guarulhos, segundo a prefeitura, cerca de 1,2 mil famílias serão despejadas de suas casas e cerca de 4 mil ficarão isoladas pelo obra viária. O Rodoanel irá passar sobre um reservatório de água no bairro Bananal e por uma estação de tratamento de esgoto no Cabuçu. Em São Paulo, além de um grande número de deslocados – há divergência sobre os números, que poderão ultrapassar cinco mil famílias – quatro escolas deverão ser demolidas, com enorme impacto social.


O traçado proposto desrespeita o Plano Diretor Estratégico e atravessa um trecho da Área de Proteção Integral definida em seu Macro-Zoneamento. Ademais, teme-se que o governo, por economia, acabe por transformar trechos que seriam abertos em túnel por uma via aberta, com maiores impactos ambientais.

Do ponto de vista do planejamento, no entanto, a questão deve merecer uma reflexão mais profunda antes de se discutir traçado e as necessárias compensações sócio-ambientais. Antes de mais nada deve-se avaliar, em um amplo debate público, se o Rodoanel Norte é uma obra prioritária, se o anel em torno da Região Metropolitana precisa ser fechado.

O trecho norte do Rodoanel está orçado em 5,8 bilhões de reais mas, como a grande maioria das obras públicas, deverá custar muito mais do que o previsto. Outro tanto deverá ser gasto no trecho leste. É inadimissível gastar essa quantidade de recursos públicos, em uma cidade com tanta carência na área de mobilidade, sem que exista um plano viário e de transportes que demonstre, efetivamente, a prioridade da intervenção, que tanto impacto negativo deve causar, em relação a outras alternativas.

O fato é que o Rodoanel está dando continuidade à tradicional opção pelo automóvel que desde os anos 1940 predomina em São Paulo. Embora anunciado e divulgado como uma intervenção que visa retirar caminhões que entram desnecessariamente em São Paulo, os dados mostram que estes eram apenas 14% dos que se dirigiam para a cidade antes da inauguração do Rodoanel Oeste. No caso do trecho norte, essa porcentagem é muito menor: apenas 6%. O número é baixo por uma razão muito simples: as rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Dutra, Fernão Dias e Airton Senna já estão interligadas pela Rodovia Dom Pedro I, entre Campinas e Jacareí. Ademais, existem outras ligações perimetrais na região, como a ligação entre Franco da Rocha e Mairiporã. Estas estradas podem ser melhoradas e ampliadas a um custo financeiro, social e ambiental muito inferior a do Rodoanel Norte.


População tem se manifestado nas audiência públicas contra o Rodoanel Norte


São Paulo precisa, antes de mais nada, alterar seu padrão de mobilidade, investindo fortemente em transportes coletivos de modo a torná-lo mais competitivo em relação ao deslocamento por automóveis. Caso se continue a investir na ampliação da malha viária sem priorizar corredores de ônibus, metrô e trens metropolitanos, o circulo vicioso – mais vias, mais carros, mais vias, mais carro – nunca terá fim. O debate sobre o Rodoanel precisa ser debatido nestes termos, pois a capacidade de financiamento do desenvolvimento urbano é finita.

O Rodoanel Norte, além de não ser prioritário, trará impactos sócio-ambientais enormes, aspecto que está mobilizando moradores diretamente afetados e os ambientalistas ligados a Serra da Cantareira. No entanto, o debate dessa obra precisa ser feito por toda a população metropolitana, pois o que está em jogo é o futuro da região como um todo.

Nabil Bonduki é arquiteto e professor de Planejamento Urbano da FAU-USP. Mestre e doutor em Estruturas Ambientais Urbanas.
Da Carta Capital

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